Quando se iniciaram as jornadas de junho e julho de 2013, supostamente deflagradas pelo aumento das passagens dos transportes coletivos urbanos no município de São Paulo, os iniciadores das jornadas, jovens integrantes do "Passe Livre", na sua maioria militantes da esquerda trotskista, PCO, PSTU e PSOL, as manifestações de ruas nas grandes capitais eram de cunho político, pacificas e se davam em torno de bandeiras de lutas. Contudo, num átimo e sem explicações aparentemente plausíveis há não ser a falta de capilaridade dos grupos da Esquerda Ortodoxa, esses foram defenestradas das manifestações, passando a hegemonizar as jornadas de rua as forças de Direita, aqueles que pregavam a exclusão dos Movimentos Sociais e de partidos das manifestações que diziam ser contrárias à política e aos políticos.
Num momento posterior, com a assunção da direção das manifestações por segmentos das classes médias, socialites festivas e outros espécimes contrários ao Governo Central, na sua grande maioria "voadores" e anarquistas de Direita, aqueles que pregam a inexistência de tributos de qualquer espécie ou a sua drástica redução, além do fim do Estado e o domínio da política pelo Mercado, a grande mídia, quase toda ela se mostrava favorável as manifestações.
De fato com a saída as ruas daqueles enormes contingente de gente despolitizada, que exigia a melhoria dos serviços públicos e eficiência da administração conquanto que não dessem a sua contrapartida com a efetiva participação política e o pagamento de impostos, que exigia que administração da política não fosse um encargo de políticos, mas de quem não se sabe lá o quê, ocorreu uma corrosão na popularidade dos governos para o encantamento da grande Imprensa, a verdadeira força de oposição atualmente existente no país, essa apoiava esfuziantemente as manifestações e se dizia contrária a intervenção e os excessos praticados pela polícia.
A historia das manifestações poderia ter tido um desfecho fantástico, com a erupção de um furação transformador, a exemplo do que se instalou nos países árabes, tendo se iniciado na Túnisa, com a derrubada do governo tido por autocrático e demasiadamente corrupto pelos insurgentes, seguindo-se à instalação de um governo ao feitio da Direita ululante ou Liberal.
Acontece que em um terceiro momento, a insustentabilidade do discurso da não politização, o escorraçar de partidos e movimentos sociais como se demônios fossem e responsáveis por todas as mazelas do país, conduziu à hegemonização das manifestações por grupos de indivíduos completamente despolitizados, a integração àqueles de anarquistas individualistas, como também de setores do lupemproletariado, e o desfecho da historia almejado pela grande Imprensa passou a tomar novos contornos, a violência difusa e contra a própria Imprensa que até então incentivava com entusiasmo as manifestações se tornou uma realidade.
Com a emergência das turbulências de rua, as depredações de agências bancárias e concessionárias de veiculos luxuosos, que demonstravam a perda do controle e a impossibilidade de auferir os dividendos que pretendiam as forças da reação passaram a difamar e criminalizar as manifestações como sendo ações de vândalos, reivindicando a ação violenta da polícia.
Quando as manifestações deixaram de atender aos interesses da grande Imprensa e dos setores reacionários da sociedade, quando os manifestantes, atabalhoadamente, passaram a ação direta, mediante destruição de símbolos do capitalismo triunfante e da sociedade de consumo, a simpatia e o apoio aos manifestantes transmudou-se em ódio e fobia.
O que antes era classificado como insurreição legitima dos deserdados da política, dos inconformados com a corrupção galopante, passou a ser visto como aventura e baderna de desordeiros, interessados na desordem e na instalação do caos.
Temerosos como o bumerangue que se voltara contra os próprios articuladores da "subversão", os que antes apoiava os manifestantes despolitizados ou festivos passaram a ansiar por um cadáver ou qualquer episódio que desse suporte ou justificasse a criminalização das manifestações ou quem sabe o Estado de Sítio.
A exemplo de Caifás, o famoso personagem bíblico envolvido na Paixão de Cristo, o qual segundo Mateus, temendo pela estabilidade da Palestina sob a dominação Romana, com o aparecimento de Jesus e outros insurgentes, dissera que se fazia necessário que só um homem fosse sacrificado para salvar todo povo, visto que toda morte sacrifical tem um cunho diversionista.
Inegavelmente, os setores reacionários e da grande Imprensa ansiavam por um cadáver que pudesse dar azo à histeria geral e a uma conjuntura que propiciasse que harpias e corvos ressurgidos das sombras clamassem por medidas de exceção, leis que tipificassem as manifestações como sendo atos de terrorismo ou de desordem.
Como a emergência de um cadáver ilustre ou anônimo, preferencialmente entre as forças policiais, da sociedade civil ou da imprensa as forças da reação poderiam imputar o fato a ação de aventureiros anarquistas, supostamente de esquerda, os blacks blocs. A ação de indivíduos do lumpemproletariado ou, ainda, de elementos da extrema esquerda delirante, militantes de partidos políticos que não aderiam a ordem vigente, que ainda ousam acreditar na possibilidade da Revolução e portanto são os verdadeiros adversários das classes dominantes.
Não deu outra. Eis que surgiu o cadáver. Um jornalista acidentalmente atingido por um artefato de fogos de artifício, um desses rojões juninos muito bem conhecidos pelos freqüentadores de estádios de futebol e festas juninas nas capitais do Nordeste, disparado por participantes de uma manifestação, os quais inequivocamente não tinham qualquer intenção de matar ou ferir quem quer que seja.
Com a morte do jornalista, surgiu um mártir, o mártir da causa da criminalização das manifestações populares e dos movimentos sociais, uma vez tendo se apercebido que o ambiente de insurreição que fomentara não lhes garantia a subtração do poder, mas pelo contrário, trazia o risco de um caldo de cultura eleitoralmente favorável à extrema esquerda, irrompeu o ambiente propício para elaboração de leis que refreassem as manifestações e criminalizassem os movimentos sociais que tivessem articulados com a sociedade civil e partidos políticos de esquerda.
De fato é lamentável a morte de qualquer pessoa no exercício do seu trabalho profissional, independente de ser jornalista, policial ou vendedor ambulante, a morte violenta por fatores exógenos, não natural dever ser sempre condenada sob todos os aspectos.
Contudo, se faz preciso que não nos deixemos enganar, toda essa lamentação pela perda de vida do jornalista, a transformação de inocentes úteis, os supostos detonadores do rojão, em militantes partidários, em bodes expiatórios supostamente a serviço de partidos políticos de extrema esquerda.
Destartte, se prevalecer a seriedade, a razão desapaixonada que o momento exige, se for investigar a fundo sem se querer encontrar fundamentos para instaurar um estado geral de medo e intolerância como aquele que se instarou nos Estados Unidos logo após o episódio do 11 de setembro, bem retrtatado no filme “CRASH”, se chegará a conclusão que os dois rapazotes supostamente envolvidos com acidente que resultou na morte do cinegrafista da Rde Bandeirantes de Televisão sequer conhecem ou sabem pronunciar os nomes de Karl Marx, Leon Trotski, Vladimir Lênin, Antonio Negri ou de qualquer outro pensador ou revolucionário de esquerda para que possam ser classificados como militantes esquerdistas.
De sorte que toda essa efervescência histérica e clamor por endurecimento da legislação para coibir legitimas manifestações essa ânsia de criminalização dos movimentos sociais, esse apelo por um Estado em que prevaleça o Direito Penal do inimigo, ou seja um Estado de exceção, não tem outro objetivo senão desviar o foco do verdadeiro problema, da verdadeira causa das manifestações, a exclusão e o esgarçamento do tecido social pelo aumento das desigualdades.
Inequivocamente quem está lucrando e extraindo dividendos com a morte do jornalista são aqueles que sempre consideram as questões sociais casos de polícia, são aqueles que só têm a ganhar com o advento de um Estado Policial no qual o Movimento Estudantil, o Movimento Sindical, o MST, as Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica ressurgidas das cinzas do pentencostalismo conservador como a ascenção do Papa Jesuíta ao Trono de São Pedro e de todas as organizações da sociedade civil que se opõem as desigualdades, o fosso social e as classes dominantes, passsarão a consideradas terroristas e impedidas de livre manifestação, são os que se dizendo liberais ou democratas, alguns até mesmos insuspeitos "esquerdistas", incluindo parlamentares do PT e do PDT, os que desejam na verdade a emergência de um Estado Total capaz de impedir ruídos e mudanças que ponham em riscos os seus interesses de dominação.
MIGUEL DOS SANTOS CERQUEIRA, Defensor Público, Coordenador do Núcleo de Defesa de Direitos Humanos e Promoção da Inclusão Social da Defensoria Pública do Estado de Sergipe, titular da Primeira Defensoria Pública do Estado de Sergipe. E-MAIL: migueladvocate@folha.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentem aqui!