O crime da agiotagem se expande com
praga por todas as regiões do país e o Estado de Sergipe não seria exceção a
progressão dessa prática mesquinha e aproveitadora que é praticada por algumas
pessoas, inclusive, ou na sua maioria, policiais, comerciantes, políticos ou
protegidos por políticos locais, as quais abusando da fragilidade e situação de
vulnerabilidade de outras pessoas emprestam dinheiro a juros excessivos, em
percentuais superiores àqueles legalmente permitidos em lei e uma vez os
devedores se tornem inadimplentes e sem possibilidades de pagamentos, são
achacados, quando não mortos por integrantes de milícias ou por capangas dos
agiotas.
A prática da agiotagem é considerada
crime contra a economia popular, ficando o agiota sujeito às penalidades do
artigo 4º da Lei 1.521/51. Além disso, pode ainda ser configurado crime contra
o Sistema Financeiro Nacional, posto que o agiota atua no mercado financeiro
sem autorização pelo Banco Central para tanto.
De fato, nesses tempos tenebrosos em
que o consumo compulsivo está levando parte da população a uma roda viva do
endividamento, muitos cidadãos consumidores excluídos do mercado formal de
crédito são presas fáceis dos aproveitadores.
A facilidade de contrair crédito induz
as pessoas a se tornarem inadimplentes do sistema financeiro formal, o qual, diga-se
de passagem, também pratica agiotagem das mais descaradas, uma vez
superendividados, excluídos completamente do sistema capitalista, adentram no
inferno das dívidas sobrepostas e, provavelmente, impagáveis, essas contraídas
junto aos agiotas.
Segundo o filósofo Michael Sendel o
fenômeno do superendividamento, da destruição pessoal e das famílias pelo
consumo excessivo e pelas dividas, embora não seja específico, é um fenômeno
mais presente naqueles países onde está se dando a transição de uma economia de
mercado para uma sociedade de mercado, na qual tudo pode ser posto à venda e os
valores de mercado dominam todos os aspectos da vida: relações pessoais, vida
familiar, saúde, educação, política, leis, vida cívica etc. É o caso do Brasil onde o favorecimento ao
consumo desvairado e ao endividamento pode ser observado no assédio
publicitário e de marketing diuturnamente na mídia e, também, na proliferação
dos pequenos bancos exclusivamente para concessão de empréstimos consignados
que são instalados em quase todos os municípios brasileiros, ofertando crédito
fácil a aposentados, beneficiários do Bolsa Família e assalariados em geral.
Ocorre que, o assédio consumista, depois
de produzir a massa de endividados, impossibilitados de sobreviverem no sistema
capitalista, que pressupõe a posse do dinheiro e acesso ao crédito para a
aquisição de bens, remete essa massa de endividados ou para os grandes bancos
fazerem o refinanciamento das dívidas ou para as garras dos agiotas que grassam
inclusive no interior das repartições públicas.
Os endividados impossibilitados de
acesso ao crédito formal e acossados pelos agiotas são como refugo humano,
estão longe de Wall Street ou da Avenida Paulista, não gozam da simpatia dos
poderes públicos e são relegados à própria sorte para perderem dedos, terem
filhas e mulheres estupradas por capangas desses mesmos agiotas, quando não
mortos em situações quase nunca esclarecidas e lançados em lugares ermos das
periferias.
Enquanto isso os agiotas menores,
aqueles que não são donos de bancos, mas que nem por isso não são financiadores
ou compradores de autoridades e políticos nas redes sociais, exibem fotos dos
seus carrões, falam dos imóveis, nas ruas se exibem como se fossem seres
superiores.
O esquema da agiotagem não oficial é
sempre o mesmo, o agiota faz o empréstimo calçado em uma garantia, como por
exemplo, a entrega de cheques, entrega do cartão bolsa família, uma casa, um
automóvel ou qualquer outro bem de valor. Alguns chegam até a transferir
antecipadamente o imóvel ou o automóvel para o seu nome, como garantia de
pagamento, e cobram juros sobre juros, de tal forma que o consumidor nunca mais
consegue quitar a dívida.
Os agiotas estão à solta, muitas vezes
são pessoas conhecidíssimas das autoridades, com as quais convivem e tomam
assentos nas rodas sociais, para consecução das suas atividades criminosas fazem
todo tipo de chantagem, difamam as pessoas nas ruas, eles são incansáveis por
mais que o devedor pague o débito contraído, mas eles dizem que a vítima deve.
A praga da agiotagem se espraia como se
fosse varíola no continente africano nos séculos XVII e XVIII e até antes do
aparecimento da vacina. Muitas vítimas da agiotagem que fogem dos seus
carrascos e se mudam das cidades do interior, se escondem nas periferias de
Aracaju, algumas delas tem, inclusive, procurado o Núcleo de Defesa de Direitos
Humanos da Defensoria, que pouco pode fazer, visto que a agiotagem se trata de
crime de ação pública incondicionado, um fenômeno que está aí as escancaras
exigindo a atuação das autoridades para combatê-lo, talvez não o façam porque
não obtém dividendos políticos ou refrigérios para os seus egos megalômanos.
Por: MIGUEL DOS SANTOS CERQUEIRA,
Defensor Público, titular da Primeira Defensoria Pública Especial Cível do
Estado de Sergipe, Coordenador do Núcleo de Defesa de Direitos Humanos da
Defensoria - E-mail: migueladvocate@folha.com.br.
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