Efetivamente, o dia da concessão da aposentadoria é um
dia muito especial, inesquecível pra quem já se aposentou. Lembro-me bem o dia
em que saí do posto do INSS com a Carta de Concessão nas mãos: estava tão feliz
que não me dei conta de que meu carro estava na porta da repartição e andei
quase dois quilômetros para pegá-lo.
Pra meu amigo, Gilson, não foi diferente. Contou-me uma história
interessante sobre a sua experiência da aposentadoria por tempo de serviço.
A história começa na noite mal dormida, véspera do dia
agendado pelo INSS. A expectativa pela obtenção da tão sonhada aposentadoria não
o deixou dormir.Pela manhã, logo cedo, com olheiras enormes, partiu rumo a sua
jornada. O horário agendado era às dez horas da manhã, mas ele saiu às oito.
Considerando o engarrafamento, estacionamento e ainda as formalidades legais
até o atendimento propriamente dito, estava de bom tamanho.
Logo perto de casa uma surpresa: o trânsito estava
travado. Através de um taxista, ficara sabendo que perto dali acontecera um
acidente, um motociclista fora atropelado e o corpo ainda estava na pista,
dificultando o tráfego. Apenas uma viatura da Polícia Militar encontrava-se no
local, a SAMU ainda não havia chegado. O jeito era esperar.
Dentro do carro, veio-lhe a ansiedade característica de
quem está esperando algo. E o que é o pior: Tinha nitidamente a sensação de que
faltava-lhe algo. O quê? – perguntava-se várias vezes desde que saíra de casa,
quando tivera o primeiro sintoma de vazio, mas não conseguia vislumbrar nada de
anormal. Conferira várias vezes os documentos requeridos pelo INSS que trazia
num envelope, entretanto, no auge dos seus sessenta e poucos anos,tornara-se comum, de quando em vez,ocorrer-lhe
lapsos de memória e confusão mental. Uma vez, deu-se conta que estava na praça
de alimentação de um grande shopping, mas não conseguia lembrar-se porque
estava ali nem como chegara àquele local. Até hoje não lembra...
O tempo passava rapidamente, já passavam das nove e ele,
ali, parado, ainda perto da sua residência, não andara dez metros. Hoje vai ser um dia de cão!Pensou, já
desiludido.
Foi quando tomou uma decisão: iria verificar in loco o que realmente ocorrera, quem
sabe não conseguiria convencer algum policial a abrir uma brecha no trânsito?
Chegando ao local viu um jovem estirado no asfalto, já
sendo atendido pelos paramédicos e uma moto ao lado, completamente destruída,
porém, não conseguiu identificar o veículo atropelador,com certeza evadira-se,
pensou.
Aparentemente o rapaz não apresentava lesões graves, não
observava nenhum indício de sangue. Notara também que estava consciente, pois conversava
normalmente com os médicos. Pensou em falar com o agente que controlava o
trânsito para abrir o caminho, mas um ímpeto de curiosidade o acometeu e
decidiu aproximar-se da vítima para vê-lo mais de perto. Foi o seu erro. Assim
que o rapaz o viu, mesmo imobilizado, tentou desvencilhar-se das pessoas que o
atendiam e, com o indicador apontado para ele, gritava quase histérico:
- Foi
ele!!!
Completamente descontrolado, o jovem tentava levantar-se fulminando-o
com o olhar acusativo.
- Foi ele quem me atropelou! – não cansava de dizer.
Antes que pudesse sequer pensar no que estava
acontecendo, sentiu um encontrão no pescoço e percebeu que alguém o puxava pelo
colarinho. No momento seguinte já o conduzia em direção à viatura policial que,
a esta altura, se encontrava com as portas abertas. Jogado no banco traseiro
entre dois policiais, que o olhavam com caras de poucos amigos, o veículo seguiu
rumo à delegacia.
Até esclarecer tudo com o delegado, inclusive com
depoimentos de vizinhos que o viram saindo do prédio depois do acidente,
passaram-se cinco horas. Saiu da delegacia exatamente às 15 horas e, resoluto
como era, resolveu que iria ao INSS de qualquer jeito. Agendar uma nova uma
nova data, significaria, pelo menos, mais trinta dias. Então pegou um táxi e
foi para lá.
Chegou quando faltava meia hora para o encerramento do
expediente. Havia cerca de cinco pessoas na fila de triagem, então resolveu
encarar. Quando já estava prestes a ser atendido, constatou, desiludido, que
deixara o envelope com os documentos no carro. Chegara a sua vez de ser
atendido e ele não sabia o que fazer. Uma linda jovem o encarava esperando
pacientemente pela sua solicitação. Completamente arrasado, por desencargo de
consciência, contou para ela tudo que havia acontecido. Quando já se preparava
para ir embora, uma surpresa: a atendente, extremamente educada e demonstrando
simpatia pela sua pessoa, depois de solicitar seus documentos pessoais e
digitar algumas informações no computador, disse-lhe:
- Como
última informação o senhor poderia abrir sua camisa senhor Gilson?
Mesmo sem nada entender, fez o que a moça pediu e abriu
sua camisa expondo os pelos do peito, já totalmente embranquecidos.
- Foi o
que eu pensava – disse-lhe a jovem, concluindo. Está tudo certo,a sua
aposentadoria acaba de ser concedida.
Ele não entendeu absolutamente nada. Como isto poderia
acontecer já que não apresentara a carteira profissional? Perguntava-se.
A jovem gentilmente explicou sua decisão:
- Eu
confio nas informações que o senhor forneceu e, principalmente, nos seus
cabelos brancos.
Saiu do INSS completamente atordoado, não tivera nem
pensamentos pra comemoração, sua única vontade agora era ir pra casa contar
tudo pra sua mulher.
Depois de ouvir tudo, sua esposa, para sua surpresa, em
vez de dar-lhe um beijo de reconhecimento pelo seu esforço,colocou as mãos nas
cadeiras e com um muxoxo, ironicamente disse-lhe:
- Você
perdeu tempo, homem! Bastava abrir a braguilha e estava tudo resolvido: a sua
aposentadoria seria por invalidez!
* Zel
Pinto é escritor, economista e professor no ensino superior
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