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quarta-feira, 10 de abril de 2013

COISAS DO DESTINO



Arthur Gasparini tinha 60 anos e era professor do ensino superior. Engenheiro por formação, trabalhou durante quase toda a sua vida profissional numa empresa de engenharia de porte médio em Salvador, tendo sido admitido como estagiário ainda quando cursava engenharia civil na Universidade Federal da Bahia.


Tinha três filhos: dois homens e uma mulher. O filho mais velho, Arthur Gasparini Júnior, era médico. Tinha acabado de concluir a residência em cardiologia, mas já exercia a medicina há três anos numa clínica que abrira com dois colegas de faculdade, quando acabara de concluir a residência em clínica geral. Também trabalhava dando plantões duas vezes por semana na emergência de um hospital público, o HGE.

A filha do meio, Suelen, optou por seguir o pai na profissão e trabalhava no estado do Pará, em uma grande construtora.

Já o filho mais novo, Samuel, acabara de entrar numa faculdade particular no curso de Direito e ainda morava com os pais. Não trabalhava e ainda não sabia bem o queria, em dois anos era a terceira faculdade que estudava.

Arthur estava próximo de completar 30 anos de casado com Sueli, a quem conhecera na escola de ensino fundamental quando ainda eram crianças. Foram colegas em todos os níveis escolares.

Acabara de aposentar-se pelo INSS havia três meses. Entretanto, devido ao baixo salário que recebia como engenheiro, o valor da aposentadoria não fora suficiente para suprir as necessidades da família e se viu obrigado a ensinar numa instituição de ensino superior para complementar a renda.

Sueli também era professora, trabalhava numa escola de educação infantil desde que se formara no antigo Curso Normal do ICEIA. Atualmente, exercia a função de supervisora escolar na mesma escola, porém, devido à baixa remuneração que recebia não podia ajudar muito o marido na educação dos filhos, o salário mal dava para atender as suas necessidades pessoais.

Criara os filhos com muitas dificuldades, mesmo assim, nunca permitiu que nada lhes faltassem mantendo-os estudando nas melhores escolas particulares.

Há alguns anos, optara por morar de aluguel. Possuía um pequeno apartamento de dois quartos na periferia, porém com o crescimento dos filhos tornara-se insuficiente para abrigar toda a família. Suelen ocupava o segundo quarto enquanto os meninos dormiam no quarto da empregada.

Foi quando tomou a decisão de vender o apartamento para permitir mais conforto para a família. Sabia que o valor da venda do imóvel não era suficiente para comprar outro em um lugar melhor, então foi morar de aluguel num bairro nobre de Salvador.

As crises financeiras foram muitas, chegou ao ponto de pedir dinheiro emprestado a agiotas pagando juros altíssimos, mas sempre, as enfrentou com coragem e determinação. Devendo a um aqui, outro ali, ia levando a vida.
Atualmente, a situação não mudara muito. Apesar de Suelen estar morando em outro estado e Júnior já ter adquirido seu apartamento, as dificuldades pareciam ter aumentado. Eles não contribuíam em nada com as despesas da casa, pelo contrário, de quando em vez Suelen solicitava um depósito em sua conta alegando necessidades imediatas com a promessa de devolver o mais breve possível, mas isso nunca acontecia. Júnior, se não pedia nada, também não ajudava. O fato era que o dinheiro da aposentadoria era consumido totalmente com o aluguel ficando as contas para serem pagas com a remuneração recebida da faculdade, que a cada semestre encolhia, já que recebia por turma e nem sempre havia turmas para lecionar, principalmente no meio do ano.

Dormira mal a noite toda. Tivera pesadelos terríveis, sempre iguais. Era perseguido por alguém sem identificação, que nunca mostrava o rosto. Acordara às quatro horas da manhã suando por todos os poros e não conseguira dormir mais. O que o preocupava no momento era o pagamento de uma conta de energia que já havia completado trinta dias de vencida e corria sério risco de ter o fornecimento cortado. Já passara por isso em outra oportunidade e fora constrangedor explicar ao proprietário do imóvel a situação, já que a conta ainda estava no seu nome.

Analisou a situação rapidamente: possuía o dinheiro para pagar a fatura, mas não dava pra comprar o remédio para controlar a pressão arterial que tomava diariamente há quase vinte anos.

Antes, o filho fornecia o medicamento através das amostras grátis conseguidas com os representantes dos laboratórios, mas, ultimamente, eles não estavam mais fornecendo o remédio alegando escassez do produto no mercado.  Então, já há algum tempo comprava-os todo mês, o que aumentava mais as suas despesas.

O que fazer? Perguntava-se a toda hora. Não tinha mais margem para conseguir empréstimos. Nem aos agiotas poderia recorrer, já que não tinha mais capacidade de pagamento. Efetivamente, chegara ao fundo do poço. O seu dilema neste momento era: comprar o remédio ou pagar a conta?

Logo cedo ligou para Júnior para pedir-lhe que pagasse a conta, mas ele descartou qualquer hipótese de pagamento alegando que estava promovendo uma reforma na clínica e encontrava-se muito apertado. Todos os atendimentos médicos haviam sido suspensos até a obra ficar pronta. Estava vivendo dos parcos recursos do seu salário no  HGE.  

Depois de muito pensar tomou uma decisão: iria pagar a conta da energia, não passava pela sua cabeça reviver o constrangimento do passado novamente. Ademais, logo iria conseguir o dinheiro para comprar o remédio, sempre fora assim. Em outras ocasiões já ficara por três dias sem tomá-lo e nada acontecera. Agora não seria diferente. Deus proverá – afirmou convicto para si mesmo, era o que dizia sempre que alguma aflição o atormentava.

No outro dia acordou tão disposto que resolveu fazer uma caminhada numa praça perto de onde morava.  No fundo buscava explicações para aquela disposição já que fazia 24 horas que não tomava o remédio da pressão. Chegou até, por um momento, duvidar da necessidade de ingerir o medicamento. Mas logo na primeira volta sentiu uma leve pontada no peito. Respirou intensamente levantando os braços e a dor passou. São gases – pensou. No momento seguinte a dor veio tão forte que não conseguiu manter-se de pé e desabou pesadamente. Tinha sérias dificuldades para falar e respirar. Logo acudiram algumas pessoas, mas ele quase não conseguia vê-las nitidamente. Foi quando tudo escureceu.

O doutor Arthur Gasparini Júnior estava saindo do plantão quando chegou um enfermeiro esbaforido solicitando a sua presença na emergência. Havia chegado um paciente com um quadro grave de infarto do miocárdio e necessitando de atendimento urgente, já que ainda estava com vida. O Cardiologista que iria substituí-lo ainda não havia chegado, por isso estava solicitando a sua presença.

         - Desculpe, infelizmente tenho um compromisso urgente e não posso ficar. Solicite um médico clínico para examiná-lo até o meu substituto chegar – disse o doutor Arthur, retirando-se rapidamente.

A caminho de casa recebeu um telefonema de sua mãe informando-o que seu pai sentira-se mal na rua e fora levado para o hospital. Estava no HGE.

Desesperado, voltou ao hospital e foi direto para a emergência. Chegou no exato momento em que estavam removendo o paciente para o qual o enfermeiro havia solicitado o atendimento. Ao chegar mais perto, uma triste constatação: era seu pai quem estava ali naquela maca sendo levado para o necrotério.

        - Agora não tem mais o que fazer, doutor – disse um enfermeiro - Está morto. Ficou mais de meia hora sem qualquer atendimento. Se tivesse sido atendido um pouco antes com certeza teria sobrevivido. Não teve sorte!

Zel Pinto é escritor, economista e professor do ensino superior.

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