O poeta Carlos Drummond de Andrade afirmara certa vez que todas as coisas têm um avesso, embora nem sempre perceptível. Foi ao espiar esse lado obscuro da democracia que disse que esta “é a forma de governo em que o povo imagina estar no poder”.
Para que o avesso não se torne o direito, é necessário retirar algumas pedras do meio do caminho da democracia brasileira. O debate sobre a Reforma Política conta com uma audiência pública a ser realizada em junho deste ano pelo Superior Tribunal Federal, mas ainda tropeça na Câmara dos Deputados. Dessa forma, é imprescindível que enverede e ganhe forças na própria sociedade.
É preciso dizer, contudo, que não basta aperfeiçoar as regras de campanha e eleição. O processo de democratização exige mais que o voto periódico. Concomitantemente à Reforma Política, deve ser empreendida uma verdadeira Reforma Cidadã, que impulsione a efetividade dos direitos já garantidos no plano legal. Sem a real prestação desses diretos, a democracia não ultrapassa o conceito ranzinza dado pelo poeta.
Uma instituição como a Defensoria Pública exerce esse papel vital de remover pedras e semear cidadania em um país que vive a vexatória situação de ser, ao mesmo tempo, uma das maiores economias do mundo e um dos mais desiguais socialmente. É certo que, sozinha, não é capaz de modificar o panorama atual, mas, sem uma Defensoria Pública robusta, a tarefa é impossível.
Não se pode deixar de classificar como nobre a função da instituição de promoção dos direitos dos necessitados, atuando desde o contexto da efetividade familiar até o combate a todas as formas de discriminação, desde o direito ao perdão do indivíduo até a tutela dos direitos coletivos, dentre outros campos. Se a realidade não nos deixa falar que a Defensoria Pública pretende resgatar a utopia da felicidade geral, que ao menos nos deixe reconhecer o maior grau de equilíbrio e harmonia social que é capaz de produzir.
Há muitos anos, em um discurso de longos aplausos, o ex-presidente da África do Sul, Nelson Mandela, clamou: “Não queremos voto sem pão, nem pão sem voto”. Estas palavras, bastante simbólicas, estabelecem a interdependência entre os direitos sociais e a democracia, e foram bem assimiladas e perseguidas pela Defensoria Pública quando esta estabeleceu objetivos: a redução das desigualdades sociais, a primazia dos direitos humanos, a garantia da ampla defesa e do contraditório, e a afirmação do Estado Democrático de Direito.
É inegável o progresso da Defensoria Pública brasileira nos anos que se seguiram à Constituição Federal de 1988. No estado de Sergipe, é digna de elogios a reestruturação da carreira realizada em 2010. Porém, ainda se hesita quanto a um passo fundamental: Embora a Carta Magna assegure a autonomia financeira reluta-se em concedê-la.
O projeto de lei número 114 – que dá o direito à Defensoria Pública de organizar e administrar seus recursos sem interferência dos governos – foi aprovado com unanimidade no Congresso Nacional, mas sofreu o veto presidencial. Sem esses recursos, não é possível municiar a Defensoria de forma proporcional à efetiva demanda. As retinas vão se fatigando sem que vejamos obedecida a previsão constitucional. Muito se esperava, mas a autonomia financeira não veio. E agora, José?
Felizmente, um pequeno – mas não inexpressivo – grupo de deputados federais, que conta com um deputado eleito por Sergipe, luta não só pela derrubada do veto presidencial, mas, também pela aprovação de emendas que obrigam a contratação de novos defensores públicos e pela simetria remuneratória com as carreiras da promotoria e da magistratura. Desse modo, enraizar-se-ia a Defensoria em bases tão firmes quanto a sua importância.
A Defensoria Pública é a porta que conduz o indivíduo aos direitos da cidadania. É angustiante a situação daqueles que com a chave na mão querem abrir a porta, mas a porta não há. Espera-se que se dê vida às letras mortas da lei. Afinal, como disse o poeta Drummond, nosso companheiro nestas reflexões: “As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei”.
AUTOR: Herick Victor Dantas de Argolo - Advogado
Artigo publicado na edição do Jornal da Cidade de 18/04/2013.
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