Crônica publicada originalmente no dia
18.02.1992, no Jornal Feira Hoje, em Feira de Santana/BA
Era tudo silêncio, como se
um pacto sinistro contra a dignidade humana tivesse sido celebrado entre o
conjunto da sociedade e os seus dirigentes. Um silêncio tenebroso e mordaz.
Éramos cúmplices de um genocídio, que ardilosamente se tentava esconder, éramos
atores do teatro do mar de lama. Até que esta semana um grande jornal de São
Paulo resolveu denunciar a farsa em que estávamos mergulhados e mexer na
ferida, divulgando uma série de reportagens a respeito do inferno da canalhice:
a prostituição de menores nas cidades brasileiras.
São prostitutas e prostitutos de 9, 10, 12 anos de idade;
rapazinhos que se vem por um pão, por uma lata de cola ou por um punhado de
maconha; são meninas que trocam a virgindade por um boneca ou por prato de
comida; são moçoilas das classes médias
que se prostituem por um vestido, um perfume francês ou apenas um mil
cruzeiros.
Esses episódios não ocorrem ou ocorreram na Roma dos tempos
de Petrônio ou foram retratadas no "Satiricon" ou mesmo nas ruas da
Itália nos idos de Pier Paolo Pasolini. Não são cenas extraídas de algum livro
de Jean Genet ou Truman Capote. É a realidade crua de grande parte das cidade
do país chamado Brasil.
Algum leitor desavisado poderá pensar que estamos
demasiadamente catastróficos ou então melodramáticos, que somos apátridas,
impatrióticos ou que queremos desmoralizar a imagem do nosso país e o nosso
povo, que por certo estaríamos a falar não do Brasil, mas de Bangladesh, Bhopal, Hong Kong, Uganda, Tanzânia ou Nova
Dehli e não das cidades de Belém, Imperatriz, Manaus, Itabuna, Salvador e Feira
de Santana. É doloroso afirmar, no entanto, que o leitor descrente ou
desavisado, talvez não se dê conta de que aqui mesmo nas nossas cidades
brasileiras meninas e meninos estão a venda.
Os banheiros das rodoviárias, algumas corredores de galerias,
cinemas, e as principais avenidas de quase todas as cidades são pontos
privilegiados para a comercialização de corpos juvenis. Negarmos esse estado
generalizado de amoralidade é sermos calhordas ou canalhas.
O comércio de corpos é uma atividade comercial muito
promissora e que se desenvolve velozmente no país, segue o rastilho da miséria
ou da ânsia de ascensão social.
É preciso não apenas denunciar esse estado de coisas, mas se
indignar, mesmo que a indignação nem sempre conduza ou desemboque em
ancoradouros libertários, não obstante a indignação é o único sentimento que
resta para que permaneçamos Humanos.
Infelizmente toda essa degradação moral está a transformar a
maioria dos homens em resignados, em conformistas, em verdadeiros símios. As
relações sociais se tornaram meros gestos de oportunismo. Ante a esse
descalabro devemos recobrar a sanidade e nos posicionarmos firmemente ao lado
dos indignados, afim de que possamos, ainda, ostentar a denominação de
"homo sapiens"
MIGUEL DOS SANTOS CERQUEIRA,
então comerciário, estudante de administração na UEFS, atualmente Defensor
Público no Estado de Sergipe.
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