Pode se dizer tudo da diplomacia ocidental e
do Direito Internacional no atinente a autodeterminação dos povos, as questões
do que se conceituam como sendo terrorismo, as normas cogentes que vinculam
povos e nações e as relações com países que não são considerados amigos ou
aliados menos que se alicercem em postulados de ética de moralidade.
Lamentavelmente, o princípio de Direito
Internacional de que todo Estado Nacional soberano tem o direito de se
auto-organizar pacificamente, sem a intromissão ou ingerência de um outro
Estado Nacional igualmente soberano não passa de falácia.
Não há melhor exemplo desta dupla moral do
que o tratamento dispensado pelo Governo estadunidense em relação ao Estado de
Israel, a Arábia Saudita e Irã, bem como no que diz respeito a questões
internas de países sul-americanos, tendo
com exemplo o Paraguai e a Venezuela.
Destarte, no caso do Oriente Médio do
tratamento dispensado pela diplomacia ocidental a alguns países que
diuturnamente violam os mais comezinhos princípios de Direitos Humanos salta
aos olhos e beira ao descaramento. Quanto a isso os principais meios de
comunicação se calam. Também mudos ficam os líderes políticos conservadores.
Nada se ouve tampouco de alguns personagens e pensadores presumidamente
progressistas.
De fato, se deixarmos de lado alguns de
nossos preconceitos, se não quedarmos a mediocridade que guia o senso comum,
por certo perguntaremos aos nossos botões porque não há qualquer condenação a
ditadura islâmica que predomina na Arábia Saudita. Naquele país as mulheres não
possuem quaisquer direitos, os homossexuais são brutalmente perseguidos,
inexistem direitos civis, não obstante, por fazer parte do grupo de países
considerados amigos não se vê ou escuta qualquer censura ou qualquer tentativa
de derrubada do regime saudita por parte dos países ocidentais, sejam eles
europeus, seja os Estados Unidos. Já se tratando do Irã, que perto da Arábia
Saudita é uma democracia liberal comparável a do Reino da Holanda, por não ler
na cartilha da diplomacia ocidental é satanizado.
Quanto ao Estado de Israel, uma das
características que conformam o sistema sionista é o apartheid, no qual os
direitos de soberania do povo palestino, dos não judeus, são postergados.
Efetivamente, o grosso da população israelense, no próprio território do Estado
Judeu, sem se considerar o território Palestino, a Faixa de Gaza e a
Cisjordânia, ilegalmente ocupado é formado por não judeus, mesmo assim essa
população é segregada por força de um estado policial, uma vez que só a força e
o medo podem manter o domínio de uma minoria sobre maiorias.
Há sem considerar ainda as pretensões de
expansão territorial, verdadeiro ameaça belicista e imperialista. Refletindo a questão sob o ponto de
vista da realidade, sem qualquer concessão a preconceitos anti-semita, o certo
é que a política do Estado
de Israel em nada difere da política
segregacionista desenvolvida pela velha e racista África do Sul. A despeito disso, visto que o Estado
de Israel é o principal parceiro dos EUA no Oriente Médio, sua política de
exclusão e extermínio é não apenas consentida, mas até mesmo incentivada pelos
países ocidentais seus parceiros.
Tamanho é o cinismo e o falso ou duplo
moralismo que domina as relações de diplomacia internacional que no caso
sul-americano, no tocante ao respeito à ordem constitucional interna de cada um
dos Estados, o governo dos EUA se dá o desplante de dizer o que é legítimo e o
que é ilegítimo. Vejamos os casos da destituição do Presidente Lugo pelo
parlamento paraguaio e o da recente eleição de Nicolas Maduro para a
presidência da Venezuela. Em
ambos os casos, queiramos ou não, todo o rito obedeceu o sistema constitucional
de cada país, porém o tratamento em cada caso difere a depender do estrato
ideológico hegemônico. No caso do Paraguai, em seguida a destituição do
presidente, considerado um populista da esquerda católica, de logo foi recon
hecido o governante que ascendeu o poder, por se tratar de um elemento conservador.
Por outro lado, no caso da Venezuela, tendo sido o presidente eleito conforme
as regras da Constituição democrática em vigor, o EUA se recusa a reconhecer a
legalidade da eleição, isso ante o silêncio dos países latino-americanos, sob a
desfaçatez de fraude eleitoral, tudo porque o eleito não se trata de um
direitista ou reacionário.
Além disso, não se deve esquecer de um
episódio emblemático, que revela o mais completo despudor da diplomacia
ocidental e a falsa moral ou dupla moral do Direito Internacional, trata-se da
morte de mais de 700 pessoas, seres vivos, miseráveis, em um prédio que
abrigava fábricas para produção de calçados, roupas e outros produtos de modas
destinados a grandes marcas e consumidores dos países ocidentais.
O fato assustador que releva a moderna face
da exploração capitalista, embora tragasse a vida de mais de setecentas
pessoas, não teve o mesmo tratamento emocional que teve a morte de cinco ou
seis pessoas vitimadas pela ação de dois insanos na maratona de Boston. No caso
de Bangladesh, trata-se de vítimas do modelo de globalização da economia que na
luta pela diminuição de custos e maximização de lucros buscam países
periféricos para, não apenas sangrarem suas riquezas naturais, mas, também, destruírem
e massacrarem o seu povo.
De modo algum se pode admitir maiores repercussões no
caso da morte de gente considerada insignificante, prestável apenas para
produzir os calçados “ADIDAS” e as bolsas “LOUIS VUITTON” com as quais
desfilamos a nossa superioridade de ocidentais, u ma vez que as fábricas dessas
marcas ali se instalaram para se aproveitar do baixo custo da mão e visto que a
repercussão do mortícino é denúncia contra o falsidade do Direito, do sistema que expõe cinicamente que
as regras e normas que imperaram no Brasil ou EUA não são as mesmas que imperam
em Bangladesh ou Burkina Faso, quando se trata do direito à vida ou das
relações de trabalho.
No caso da Maratona de Boston, supostamente,
trata-se de terrorismo de indivíduos, de natureza ideológica, em antinomia com
os nossos valores e a nossas crenças, por isso, deve ser tratado com todo
alarde. Já em Bangladesh se trata do terrorismo capitalista do extermínio de
vidas pela ganância do produzir intensivamente e com baixos custos, sem nenhuma
segurança para operários, em países que por sua miserabilidade o império da lei
não alcança o espaço das fábricas e muito menos impede os tentáculos das
corporações transnacionais.
De fato o que se vê é que a ética, a moral e o direito não se
apóiam em regras, nem nas virtudes cardeais da justiça, da isonomia e da
autodeterminação. Isso evoca uma verdade quase axiomática, a da relativização
dos direitos humanos, da prevalência de uma dupla moral na qual tudo se permite
aqueles Estados parceiros, aqueles que mesmo sendo ditaduras islâmicas ou
estados policiais e racistas, consintam com os postulados da civilização
judaico-cristã, da democracia liberal, do livre mercado e com todas as mazelas
da exploração capitalista.
* MIGUEL DOS SANTOS CERQUEIRA, Defensor Público,
Coordenador do Núcleo de Defesa de Direitos Humanos e Promoção da Inclusão
Social da Defensoria Pública do Estado de Sergipe. Desde meados nos anos 70 até
o final década de 1990 do século passado exerceu a profissão de comerciário.
A partir da década de 70, quando do advento dos movimentos de
combate à ditadura militar, contra a carestia e pela
anistia, até o começo dos anos 2000 conjugou
militância política com atividades sindicais no município de Feira
de Santana. Também Flertou com a Teologia da Libertação, intentando
ingressar na Ordem dos Missionários Católicos Combonianos. E-MAIL: migueladvocate@folha.com.br
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