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quarta-feira, 11 de julho de 2012

O avanço do neopentecostalismo e a afirmação do Deus de supermercado – As prováveis razões do fenômeno

Dados do Censo Demográfico 2010, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 29 de junho de 2012, mostram que desde 1991 o número dos que se declaram católicos diminuiu em 22%. O contingente de evangélicos, por sua vez, mais que dobrou, passando de 9% em 1991 para 22,2% hoje.

O crescimento do número de evangélicos além da multiplicação do número de pessoas decepcionadas com Deus e a religião, e que, portanto, se declaram ateus não se deve apenas as práticas predatórias de um neopentecostalismo doentio que ensina sobre  um "deus falso", mas, sobretudo, as armadilhas do conservadorismo que a Igreja Católica armou contra si mesma.

É certo que a transmutação ou subversão do puritanismo e dogma da predestinação dos bens sucedidos economicamente, em decorrência de serem castos e poupadores encampado por Calvino pelo materialismo rasteiro da teologia da prosperidade do neopentecostalismo encontrou campo fértil em uma sociedade recém urbanizada, ávida por consumo de bens e serviços, haja vista que os pregadores neopentencostais souberam explorar essa avidez e ao invés de, conforme pregava Calvino, dizerem da eleições dos morigerados e poupadores, passaram a alardear que os verdadeiros eleitos são aqueles que ostentam e consumem.

Destarte, inequívoco que o fenômeno da urbanização e da afirmação da sociedade de consumo no Brasil, redundaria inexoravelmente na diminuição do número de Católicos, uma vez que os neopentencostais assumiram a ideologia deste modelo de sociedade urbana e consumista, se afastando do Deus que premia livremente o justo e que tem fé com a sua graça, conforme a pregação de Lutero ou do Deus, o qual elege livremente, aqueles a quem quer salvar e que a prova da salvação se revela pelo bom desempenho econômico, advindo da morigeração e da poupança, conforme pregação de João Calvino, aquele que mandou Miquel Servet para a fogueira; passaram a pregar que o Céu é aqui na terra, que a justificação decorre da ostentação e do consumo, que os que não estiverem inseridos na sociedade de consumo e não ostentam sinais da eleição por Deus e, porquanto, são amaldiçoados.

Há que se observar, porém, que a redução do número de Católicos tem uma outra razão, essa se pode atribuir aos próprios Católicos. Deveras desde a assunção do Papa João Paulo II ao trono de São Pedro, com o desmonte da Teologia da Libertação, com a perseguição desencadeada contra pensadores como Gustavo Gutierrez, Leonardo Boff, Jon Sobrino e outros, esvaziando o modelo de Igreja que pregava o retorno ao Cristianismo primitivo, dos tempos dos Atos dos Apóstolos, não o fundado por Constantino em 313, para salvar o Império Romano.

Efetivamente, quando a Igreja Católica escorraçou teólogos que advogam a emergência de um modelo de cristianismo mais próximo do primitivo, que não abandonasse a tradição dos Padres da Igreja ou a Teologia Paulina, mas que valorização textos do Antigo Testamento com o Livro do Êxodo e as Profecias do s chamados Profetas Menores, como forma de enfrentamento das ditaduras, da pobreza e da sociedade de consumo, a Igreja Católica, ela mesma, abriu as portas para a debandada dos seus prosélitos e fieis para o âmbito dos neopentencostais, haja vista que o conservadorismo desses, a sua ênfase de um "Deus" de supermercado, um "Deus" mais adequado à sociedade de consumo, atendia as necessidades de uma população que não vislumbrava uma sociedade alicerçada na Justiça Social, mas no individualismo, na indiferença, na prosperidade representada por um automóvel ou uma roupa de marca, por si só o sinal da eleição.

O fenômeno da diminuição do número de Católicos no Brasil não guarda nenhuma característica com a diminuição do número de Católicos nos países da Europa, no velho continente a questão se deve ao secularismo, a descrença na eficácia das religiões, somados a emergência de novo antropocentrismo, justificado pelo bem estar econômico, em que pese a atual crise que atinge o continente.

No Brasil o fenômeno tem outra face, as razões são antagônicas às do continente europeu, o fenômeno aqui de justifica pela pobreza, pela ânsia de ingressar na sociedade de consumo. Na Terra de Santa Cruz, abençoada por Nossa Senhora Aparecida e por São Pedro de Alcântara, seus padroeiros, a transmutação do dogma calvinista da eleição pela morigeração e capacidade de poupar e enriquecer com prova de eleição e salvação pelo dogma do consumir e ostentar com prova de que o fiel se encontra realmente salvo. A Igreja Católica, com assunção de Papas conservadores ao Trono de São Pedro, transformou em heresias toda e qualquer Teologia que apontasse o caminho da Justiça Social ou endossasse o retorno ao Cristianismo autêntico, assim permitiu que parte dos seus fiéis, não tanto convictos da sua fé, desapontados com a possibilidade da emergência de uma sociedade mais justa, debandasse para religiões que afirmam que verdadeira Justiça e salvação residem na ostentação e no consumo.

O evangelismo ou neopentencostalismo é a opção dos segmentos sociais mais pobres, desprovidos de recursos financeiros e melhor formação, aqueles mais suscetíveis de serem cooptados ou catequizados por ideologias pretensamente religiosas, absolutamente conservadoras e a serviço da manutenção do modelo excludente e socialmente injusto, o qual, por razões diversas, também é garantido pela Igreja Católica, que em prejuízo próprio perde os seus fiéis, uma vez que não tem coragem de alardear com destemor que a eleição por Deus nesse modelo de sociedade decorre de possuir um automóvel ou vestir roupa de marca.

O mais grave no fenômeno e que a maioria dos desgarrados da Igreja Católica, uma vez adentrando no neopentencostalismo, a maioria deles não se tornam ricos, conforme pregam os pretensos bispos, apóstolos e pastores, mas alienados que contribuem para o soerguimento de impérios financeiros ou de comunicação.

Assim se vê que o neopentencostalismo não se trata de uma Reforma Protestante, não se trata de classes e Estados Nacionais que se insurge contra a Igreja Católica, mas um fenômeno gestado por armadilha armada por ela própria, o qual lança seus antigos fiéis nos braços de oportunistas, sem qualquer possibilidade de salvação, seja das suas pobres almas, seja da alienação encetada pela ânsia do consumo.


Miguel dos Santos Cerqueira – Defensor Público, Titular da 1ª Defensoria Pública Especial Cível de Aracaju, Coordenador do Núcleo de Defesa de Direitos Humanos da Defensoria.

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