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quarta-feira, 30 de outubro de 2013

MANIFESTAÇÕES CONTRA O EXTERMÍNIO E A HIGIENIZAÇÃO SOCIAL- ATOS DE VIOLÊNCIA OU DE DESOBEDIÊNCIA CIVIL

“Muitos acusam o rio de violento, mas poucos são os que condenam as margens que o reprime”. Eugen Berthold Friedrich Brecht

De fato é impensável um Estado Democrático sem o predomínio das Leis. Igualmente utópico uma sociedade organizada sem a existência de Polícia, haja vista que ao contrário das teses esposadas por Jean-Jacques Rousseau em “Emílio ou da Educação” e o “Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens” de que o homem é naturalmente bom e a sociedade e o convívio em sociedade é que o corrompe embora o homem seja condicionado pelas relações sociais, ele, o homem, a priori não é intrinsecamente e naturalmente bom.  Talvez, a melhor definição da natureza humana seja àquela dos cristãos acerca da “queda”, tratada poeticamente Jonh Milton em "Paraíso Perdido" e do "pecado original",  ou seja, em razão da corrupção original, da desobediência,  o homem é sempre propenso ao cometimento de desvios e erros. 

Assim, uma vez que o homem não é naturalmente bom e uma sociedade perfeita e formada por bons só existente nas páginas da “Utopia” de Thomas Morus, no âmbito da urbe imperfeita se justifica a existência da polícia como "garante" da Ordem.

Naturalmente que não nos compadece a ingenuidade de pensar que a criminalidade será refreada ou combatida apenas com políticas sociais, mas também não se pode imaginar que somente a existência da polícia e a ação policialesca ou violência pela violência, desencadeada eletivamente contra alguns; e no nosso caso brasileiro, especialmente contra jovens, em sua maioria, pobres e negros, será suficiente para se alcançar o apaziguamento e o equilíbrio da tessitura social.
 
Por outro lado, não se trata de nenhum desatino afirmar que ante o esgarçamento da convivência social nos grandes centros e até nas pequenas cidades brasileiras, exacerbado pelo processo de urbanização e de desenvolvimento, tem a ver com  as medidas adotadas para a contenção da violência, quase todas fundadas na higienização social e no extermínio.
         
Por demais notório que o modelo que elegeu a exclusão e a colocação de grande contingentes de homens e mulheres às margens, notadamente os jovens e negros; somado a política de integração e emancipação de classes pelo consumo e massificação da (des)informação, esse modelo ao um só tempo expõe as situações de desigualdades e a necessidade de para mantê-las as medidas de contenção da violência  traduzidas na higienização social e no extermínio.
         
É fato que o modelo de segurança pública adotado no Brasil, ao contrário do divulgado pelo mídia tupiniquim, não se assenta em bases de suposto sociologismo de esquerda. Não é certo que no nosso país predomine a impunidade e a contemplação em face da violência criminal. No Brasil o que ocorre é um combate seletivo e classista das formas de violência. Os números dos que se encontram depositados nas cadeias e presídios, sem contar os milhares que são mortos pelas forças do Estado sem respaldo da Lei afirmam isso.
         
O modelo de segurança pública classista se revela de modo clarividente tendo em vista que nos bairros de classe médias ou naqueles em que residem os barões do capital não se ouve falar ou se assiste a ocorrência de blitz e batidas policiais para averiguações ou para identificação de indivíduos considerados suspeitos por sua aparência. Nesses bairros, nos estabelecimentos comerciais instalados nesses bairros, nos logradouros onde residem os endinheirados ou aparentemente endinheirados, onde inegavelmente também se encontram infratores das leis e os maiores consumidores de drogas ilícitas, visto que as estatísticas confiáveis demonstram que são pessoas de classes médias e altas que sustentam e retro-alimentam o tráfico de drogas, quase não existem ocorrências de balas perdidas ou de adolescentes mortos em incursões policiais.

Inquestionável que quando a polícia se desloca para um bairro não periférico o faz tão somente para a proteção da propriedade e da incolumidade física dos proprietários ali residentes e não para humilhar e degradar a dignidade dos cidadãos. Ao contrário senso, quando se direciona aos bairros periféricos, nos quais supostamente residem indivíduos possuidores de características consideradas desabonadoras, principalmente se for negros, são tratados como se infratores da lei, humilhados, seviciados, quando não mortos em supostos acidentes no manuseio de armas.

Nos bairros onde residem os grã-finos e endinheirados, àqueles dados a outras práticas criminais que não a do varejo, roubo e furto .  Àqueles que por praticarem modalidades criminais próprias de suas classes, a exemplo de emissão de duplicatas fraudulentas, estelionato, falsificações, descaminho e contrabando, sonegação de impostos, corrupção, e, portanto, considerados respeitáveis e acima de qualquer suspeita não ocorrem troca de tiros a torto e a direito e nem mortes de dezenas de pessoas em uma operação policial para realização de prisões.Não se fala em reação as abordagens policiais.

A grande imprensa, ao tempo que demoniza os pobres e considera esses com os únicos artífices e responsáveis pelo esgarçamento da convivência social e pela violência endêmica e minimiza os atos da “ordem”,  a licença institucional para matar como de só menos importância; também e por outro lado contribui para desmascaramento e desmoralização desse modelo de segurança pública classista e seletiva.
         
Embora haja um déficit de formação educacional entre os que são vitimas dos atos de violência institucional e, até talvez, por isso, incursionem em determinadas formas de criminalidade diferentes das dos bem formados, a reiteração dos atos dessa violência institucional os impulsiona, mesmo que empiricamente,  para atos de negação do sistema e de resistência à violência institucional.
         
Quando se assiste a uma política deliberada de extermínio, de violência institucional contra uma determinada classe ou segmento social não se pode exigir dessa classe ou segmento a passividade e a obediência. Não se pode exigir o suicídio social de um determinado grupo.  De fato desde as mais remotas eras, ante a violência da “ordem”, do extermínio deliberado de homens e mulheres, de certos povos, esses povos oprimidos sempre opuseram resistência e até algumas das vezes viraram o jogo a seu favor.
         
Nos últimos dias notadamente nos grandes centros populacionais, onde o esgarçamento do aparelho social e a exacerbação da violência institucional são mais flagrantes,   se tem assistido um crescente furor das hordas contra atos de violência praticados por forças policiais, alguns na grande imprensa atribuem o furor tão somente a atuação de agentes criminosos infiltrados ou a ação de baderneiros, acreditam que o povo das periferias no seu contumaz e aparente conformismo não se importa e consetem com a política de higienização e de extermínio, com o descaramento de um modelo de segurança pública seletivo, racista e classista. Por certo, se enganam.
         
O certo é que com a banalização da violência institucional está se formando um ambiente propício para a contestação e a desobediência civil, aqueles mesmos segmentos que estão sendo inseridos e integrados pelo consumo e pela informação, em decorrência desse mesmo modelo estão a exigir que a IGUALDADE não seja mero formalismo constitucional e que nas políticas de combate a violência não se adote os postulados de Charles Darwin de seleção natural ou de Thomas Hobbes do Estado Policial; que a polícia não seja seletiva, excludente e racista, sob pena de refutarem a violência que empregam contra si com igual violência difusa e contra todos,  invocando para isso o sagrado direito de resistência, tendo em vista que sob o Estado de Direito, acreditam eles, todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.  Assim, em que pese eufemismos e atenuações, das opiniões em contrário dos que não sofrerem na pele a violência institucional, diante da política deliberada de higienização e extermínio a desobediência civil e ação direita é justificada e eticamente autorizada, com, aliás, sempre o foi ao longo da história.

MIGUEL DOS SANTOS CERQUEIRA, Exerceu atividades de assessoria da JOC - Juventude Operária Católica e outros Movimentos Sociais em Feira de Santana/BA. É Defensor Público titular da Primeira Defensoria Pública do Estado de Sergipe,  Coordenador do Núcleo de Defesa de Direitos Humanos e Promoção da Inclusão Social da Defensoria Pública do Estado de Sergipe. E-MAIL: migueladvocate@folha.com.br 
 
 

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