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terça-feira, 27 de agosto de 2013

DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À SAÚDE - UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA

A despeito de todos os segmentos e classes da sociedade brasileira elegerem a saúde com um dos mais tortuosos problemas da nação e advogarem a necessidade de transformações profundas nas políticas no setor; quando se fala na relativização do mercantilismo, que transformou a saúde ou melhor a doença em mercadoria, ou ainda, quando se fala na transformação da utopia SUS e em verdadeira democratização de políticas sanitárias e de acesso à saúde o que ver é a fúria ameaçadora do corporativismo e a erupção vulcânica dos que estão sempre a conspirar contra a emancipação dos pobres.



Embora muitos nesses tempos tormentosos não saibam ou não queiram saber ou lembrar, a idéia de responsabilidade humana do médico, da medicina como sacerdócio e não como um negócio, da saúde com valor e não como mercadoria existiu até mesmo na época em que não se distinguia a medicina da magia.

De fato em todos os códigos oficiais de ética médica da Antiguidade, tanto de Hamurabi, de 2.000 anos antes da Era Cristã, como o Susruta, do V Século antes de Cristo, ou de Hipócrates de cerca dos anos 460 a 370 antes de Cristo, tratavam das relações do médico com os seus pacientes, do atendimento as necessidades do doente. Mas que o que antes era apenas norma, hoje quando se assiste os avanços no campo da medicina em descompasso com o abandono e a falta de acesso insumos mínimos necessários à preservação da saúde das populações mais pobres, sobretudo das periferias e das cidades mais distantes dos grandes centros urbanos, transformou-se é um dilema ético global, no caso específico do Brasil, um dilema ético nacional.

O que ocorre a nossa volta, a transformação da saúde em mercadoria e petrificação do corporativismo que tenta impedir a democratização e o acesso universal aos insumos de saúde da todos, deveria ser razão para sacudir a nossa inércia, desafiar a nossa fé no progresso humano e nos encher de um sentimento de vergonha.

Sabe-se muito bem que o profissional médico como qual outro ser humano padece de apetites e das ambições. Em uma sociedade dominada pelo consumismo, na qual prevalece a supremacia da economia sobre todos os demais setores da vida é de fato quase natural que até mesmo em áreas como a medicina se exacerbem os apetites malsãs, notadamente o do lucro egoístico, não obstante e nem por isso o Estado deve ficar omisso e eqüidistante, como se saúde não fosse uma questão de Justiça e um Direito Humano fundamental.

O cabo de guerra em que se transformou o programa do governo federal que busca democratizar o acesso à saúde pública, com a distribuição mais equânime de médicos por cidades e regiões, relativizando os efeitos perversos da mercantilização da medicina está a evidenciar a irrefutavelmente a necessidade da intervenção estatal para fazer valer a Constituição Federal, fazendo com que o SUS, o pleno acesso de todos aos insumos de saúde deixem de ser utopia de bisonhos constituintes que acreditaram na possibilidade de conciliação entre livre mercado e interesse social quando escreveram o capítulo da Carta Magna que trata do Direito à Saúde.

A união, a convergência de discursos de profissionais da medicina, de operadores do direito, de jornalistas e de setores da direita política alegando que a vinda de médicos de países estrangeiros, sobretudo de Cuba, se constitui em uma política de escravização e de precarização de direitos trabalhistas, não se sustenta na medida em que, não se escuta quaisquer denúncias ou se ver a insurgência desses mesmos setores com a vinda de trabalhadores do Haiti para laborarem na construção civil em todos os recantos do Brasil, de trabalhadores da Bolívia e de Bangladesh para esvaírem na indústria de vestuário das periferias da cidade de São Paulo , esses sim em condições de escravidão, mas em favor das grandes corporações e da acumulação capitalista. 

Os discursos de todos esses falsos paladinos da moralidade, dos zelosos dos interesses dos trabalhadores médicos cubanos, quando eles mesmos, muitas vezes mantém empregados das suas fazendas ou das suas cozinhas em condições degradantes e de semi-escravidão, tem a ver com substrato ideológico, uma vez que também são eles parte integrantes de determinadas corporações infensas à democratização, são defensores da exclusão de privilégios corporativos e de classes sociais.

De fato o falso dilema em que se transformou a democratização do acesso á saúde, com a vinda de médicos estrangeiros, principalmente os cubanos para atenderem as populações desassistidas, aqueles as quais o interesse pelo lucro relegou a condição de párias sociais, tem a ver com a ótica do que é prioritário e o que é supérfluo num Estado Democrático Social. 

A ousada posição e a estratégia adotada pelo Governo Federal no que diz respeito à democratização do acesso a saúde, envolve uma questão ética fundamental, qual seja, ao invés de o Estado prover apenas alguns escolhidos com os recursos da medicina moderna, deve proporcionar cuidados em saúde as massas, mesmo que incorra nos riscos de impopularidade juntos aos interesses corporativos e setores médios da sociedade.

Inequivocamente, não há como o Estado, independentemente da sua natureza classista, dar de ombros aos interesses gerais da população e fazer letra morta da Constituição Federal, alinhando-se apenas com interesses corporativistas e de apenas uma classe social, colocando em risco o equilíbrio do tecido social e a próprio modelo de dominação, deixando os desprotegidos à própria sorte e derrogando os princípios da Solidariedade, da prioridade à vida e da construção de uma sociedade menos desigual.

Saúde é uma questão de Justiça, portanto, o que deve importar nas escolhas políticas nesse campos são os interesses de seres humanos e na de uma única classe social ou corporação, em que pese a gritaria, verdadeira algazarra de profissionais médicos, operadores do Direitos e da grande mídia que pouco se importam se nos grotões do Brasil crianças ainda morram de infecção por lombricóides, uma vez que para a maioria dos médicos brasileiros no exercício da medicina os princípios éticos e interesse social devem ser sacrificados em favor do status social e do lucro. 

MIGUEL DOS SANTOS CERQUEIRA, Defensor Público, Coordenador do Núcleo de Defesa de Direitos Humanos e Promoção da Inclusão Social da Defensoria Pública do Estado de Sergipe, titular da Primeira Defensoria Pública do Estado de Sergipe. E-MAIL: migueladvocate@folha.com.br

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